Na primeira de uma série de entrevistas exclusivas para o Jornal Brasil Vancouver, o Cônsul-Geral do Brasil em Vancouver se apresenta à comunidade e aborda temas como comércio, eleições, estudantes internacionais e os desafios do Consulado na região. Leia, na íntegra, a entrevista com o Cônsul Renato Mosca:
JORNAL BRASIL VANCOUVER: O senhor poderia nos contar um pouco sobre sua história e carreira?
RENATO MOSCA: Para simplificar a resposta, vou me ater ao enfoque profissional. Desde a juventude, tinha interesse em seguir a carreira diplomática, creio que influenciado por diplomatas amigos do meu pai que nos visitavam amiúde. Naqueles anos de 1970, era uma realidade muito distante para um adolescente de cidade do interior de São Paulo, com limitado acesso à informação e ao conhecimento, pleitear uma posição no governo federal.
Você imagina que as fontes de estudo eram as enciclopédias, e mesmo para obter livros, era preciso muitas vezes recorrer a bibliotecas públicas. Os cursos de idioma restringiam-se a poucas escolas de inglês, muitas vezes caras e inacessíveis para a classe média. O ensino era majoritariamente público, muito embora de razoável bom nível na época.
Por isso, para minha geração, entendo que as tecnologias da informação e da comunicação, quando bem utilizadas, são valiosos instrumentos de desenvolvimento intelectual e cultural, permitindo acesso ampliado e certa democratização. Para seguir esse caminho, portanto, decidi me transferir para Brasília, onde cursei a universidade e pude aos poucos transformar o sonho em realidade. Não foi fácil nem rápido, mas nada se faz sem definir um rumo e acreditar nele.
Na carreira, a partir de 1990, servi em Washington, México, Roma, Caracas e Liubliana, onde desempenhei minha primeira missão como embaixador entre 2017 e 2021. Agora, cabe-me este grande desafio de conduzir o consulado-geral em Vancouver – devo reconhecer que o serviço consular se trata de assunto novo para mim – e poder contribuir com os brasileiros da jurisdição.
JBV: Por que o senhor aceitou chefiar o posto de Vancouver?
RM: Aceitei exatamente porque estou convencido de que os consulados têm de cumprir da melhor forma possível a missão de apoiar as comunidades no exterior com serviços consulares de alta qualidade, prestar assistência a brasileiros em situação de risco, apoiar o turista brasileiro, entre outras atribuições.
Os consulados vêm recebendo responsabilidades crescentes e, atualmente, já fazem parte da rotina do trabalho apoiar os empreendedores e empresários brasileiros, abrir novos canais comerciais de exportação e importação de bens de interesse nacional, envolver-se na difusão da cultura brasileira e preservação da língua portuguesa, manter vínculos com universidades e centros de pesquisa no intuito de fortalecer a cooperação nos âmbitos educacional, cultural e científico.
É um grande desafio, mas sempre cuido para sair da zona de conforto e enfrentar novos desafios, sobretudo porque o objetivo é crucial, qual seja, atender e apoiar o cidadão brasileiro no exterior. Tive uma exitosa missão diplomática na Eslovênia e espero ter desempenho semelhante nesta missão à frente do consulado.
JBV: Quais são seus principais objetivos e aspirações ao assumir o Consulado em Vancouver?
RM: Esteja certo que encontrei um consulado muito bem organizado, com excelentes profissionais e prestação tempestiva de serviços de qualidade. Todos os serviços são agendados por internet, no e-consular, o atendimento prevê horário marcado, e os procedimentos de emissão de documentos ou outros serviços são bem rápidos. Claro que sempre estamos buscando melhorar, mas não temos ouvido reclamações da comunidade.
Algumas vezes, o cidadão se frustra porque, por imposição da legislação, há óbices em prestar o serviço requerido e na forma desejada. Por isso, é bom que o brasileiro mantenha contato com o consulado, procure estar em dia em suas obrigações com a justiça eleitoral ou serviço militar, sempre registrar seus filhos, enfim tomar todos os cuidados para evitar dores de cabeça no futuro.
Exatamente para isso que estamos aqui, abertos e preparados a compartilhar todas as informações necessárias. Não há porque evitar o consulado. É muito importante manter contato conosco. Por essa razão, entendo que minha maior aspiração é trabalhar para entregar ao meu sucessor, ao final da missão de três ou quatro anos, um consulado mais eficiente e uma comunidade mais integrada e bem assistida.
JBV: E quais são os principais desafios?
RM: O principal desafio que identifico de início é certo desconhecimento de quem e quantos somos os brasileiros, onde vivemos e do que precisamos. O consulado tem uma ideia ainda pouco clara do número de brasileiros que vivem na jurisdição – BC, Alberta, Saskatchewan, Yukon e Territórios do Noroeste –, quais são as condições e demandas da comunidade e como se pode ajudar de modo mais ativo. Evidentemente, existe uma flutuação numérica normal de brasileiros, sobretudo porque há muitos estudantes de cursos de curto prazo que chegam e partem sem que nem tenhamos tido conhecimento.
Por essa razão, neste ano, aproveitando o recadastramento eleitoral, vamos nos engajar numa campanha de aprimoramento de nossa base de dados, queremos fazer um mapeamento dos brasileiros da jurisdição. Isso não significa que vamos invadir a privacidade dos compatriotas, mas ter um canal de comunicação aberto para casos de emergência ou outros assuntos urgentes.
Não vamos partir do zero, há muitas associações e grupos formados que podem ajudar a convencer os brasileiros a notificarem sua presença no país e estabelecerem contato com o consulado. Se alcançamos esse objetivo ao longo de 2022, estaremos mais capacitados para voos mais altos em benefício da comunidade. Mas esse projeto é uma via de duas mãos, todos precisam participar na sua realização.
JBV: Qual é a função do SECOM (Setor Comercial do Consulado) em Vancouver?
RM: Formalmente, o consulado-geral dispõe de um setor de Promoção Comercial e Atração de Investimentos, cujas funções principais são (i) promover as exportações brasileiras, captar investimentos e fomentar o turismo para o Brasil; fornecer assistência a empresas brasileiras que desejam entrar no mercado canadense; (ii) prestar assistência a empresas canadenses que desejam investir no Brasil ou importar produtos e serviços do Brasil; (iii) pesquisar dados sobre o mercado da costa oeste canadense; (iv) organizar seminários, oficinas, feiras e workshops; e (v) organizar e prestar assistência a missões comerciais brasileiras.
Outra importante função do SECOM é atender aos interesses da comunidade empresarial brasileira sediada na jurisdição do posto, com a formação de parcerias para realização de eventos, facilitação de contatos, promoção de eventos de networking, geração de sinergias e cross-businesses.
JBV: Qual é a indicação do Consulado para o cidadão vivendo em Vancouver, que não está em dia com a Justiça Eleitoral no Brasil, votar nas próximas eleições presidenciais?
RM: Este é outro tema prioritário para o consulado neste ano. Como todos sabemos, com as eleições próximas de 2 de outubro e 30 de outubro, se houver segundo turno, temos de fazer o recadastramento até o dia 4 de maio. Vi que vocês do Jornal Brasil Vancouver já estão engajados na divulgação dessa data.
Além de recadastrar, às vezes o brasileiro precisa pôr em dia sua situação eleitoral, justificando ausências anteriores, por exemplo. Tudo isso pode ser feito diretamente na página do Tribunal Superior Eleitoral (tse.jus.br), eleitor no exterior, sem a interferência do consulado. Mas se houver dificuldade, basta nos acionar que ajudamos nessa tarefa.
Assim, vamos também lançar uma campanha forte de divulgação em breve para que o maior número possível de brasileiros se recadastre em Vancouver ou Calgary (onde haverá seções eleitorais também para os residentes em Alberta) e possam votar nas eleições presidenciais. Trabalhamos para que a participação esteja acima da média histórica de eleições anteriores.
JBV: As faculdades e universidades têm um número muito grande de estudantes brasileiros na Metro Vancouver. O senhor teria uma estimativa de quantos brasileiros estão estudando na Lower Mainland neste momento?
RM: Como lhe comentei, temos dados aproximados, mas não atualizados. Em 2019, por exemplo, estima-se que quase 25 mil estudantes brasileiros passaram por BC em estudos. Em 2020 e 2021, por razões que todos conhecemos, o número reduziu-se drasticamente, mas o interesse persiste.
Tão logo as condições permitam – e esperamos que muito brevemente a pandemia seja superada, ainda que tenhamos de ainda conviver com esse vírus –, os jovens brasileiros voltarão ao Canadá, que tem muito interesse em manter o fluxo de estudantes e atrair profissionais estrangeiros. Por isso, queremos fazer esse mapeamento e aprimorar nossos dados.
JBV: Que tipo de suporte o Consulado disponibiliza aos estudantes brasileiros? Visto o elevado número de brasileiros matriculados nas instituições de ensino em BC, o consulado tem em pauta buscar desenvolver algum relacionamento com os colleges e universidades da região?
RM: Além dos tradicionais serviços consulares, estamos aqui de plantão para prestar qualquer assistência aos brasileiros de modo geral, inclusive os estudantes. Para casos de emergência temos um telefone de plantão para ser acionado (+1-604-314-2287). Em paralelo, estou em contato com agências que facilitam a vinda desses estudantes.
Recentemente, participei de cerimônia por ocasião de “Inbound Trade Mission”, promovida pela “Languages Canada” com a presença de representantes de 30 agências brasileiras que vieram do Brasil para conhecer os estabelecimentos de ensino, ampliar a rede de contatos e estabelecer interlocução direta com autoridades da área educacional (e turística) de British Columbia e Alberta.
Fiz questão de ressaltar nessa oportunidade que o consulado está completamente comprometido com o programa de estudantes brasileiros no Canadá e totalmente à disposição para o que for necessário. Por isso, devemos estar próximos e conhecer as demandas mais concretamente. Isto não é retórica, é plano de trabalho.
JBV: Quando o senhor finalizar sua missão em Vancouver, por qual projeto gostaria de ser lembrado? Qual o legado que gostaria de deixar?
RM: O projeto da equipe está baseado em três pilares, além de manter o bom nível da prestação eficiente de serviços consulares.
Um deles é na área econômico-comercial, contribuindo para o comércio bilateral entre o Brasil e as províncias do oeste canadense e apoiando o crescimento de pequenas e micro empresas de brasileiros empreendedores; depois, temos a área cultural-acadêmica, que é exatamente organizar eventos de promoção da cultura brasileira junto à comunidade com cinema e música principalmente, e contribuir em projetos de difusão da língua portuguesa; e, ainda, construir parcerias nas áreas de ciência, tecnologia e inovação, que entendo serem relevantes em Vancouver e que, inclusive, absorvem muitos profissionais brasileiros.
Com tudo isso, espero dar maior visibilidade e transparência ao trabalho do consulado, mas entendo que meu legado terá validade se lograr entregar ao meu sucessor, ao final de missão de três ou quatro anos, um serviço consular cada vez mais eficiente, um consulado mais bem conectado com a vida econômica, cultural, acadêmica e científica local e uma comunidade mais integrada e bem assistida em suas demandas.
► Não deixe de ler também a segunda e terceira partes desta entrevista.
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