O impacto da pandemia (Parte II): a resiliência dos empreendedores brasileiros em Vancouver

Conheça as histórias de resiliência dos empreendedores brasileiros durante a crise do novo coronavírus através do depoimento de quatro empresários.

No mês de junho, o Jornal Brasil Vancouver e o Consulado-Geral promoveram pesquisa aberta aos micros e pequenos empresários brasileiros na Metro Vancouver, com a finalidade de examinar como a pandemia do novo coronavírus afetou os negócios da comunidade na região.

Para além dos números refletidos na pesquisa, uma imagem mais viva do que representou navegar a pandemia da COVID-19 é fornecida pela experiência individual dos empreendedores participantes, alguns dos quais contatados para a confecção desta matéria.  

O impacto da pandemia nos negócios brasileiros em Vancouver (Foto: Edward Howell)

A pandemia colocou à prova, talvez como nenhum outro evento poderia, qualidades do imigrante brasileiro que lhe granjearam excelente reputação no mercado canadense, como a flexibilidade, a criatividade, a dedicação e o senso de iniciativa. Porém, algumas atividades, pela sua natureza, enfrentaram tamanhos obstáculos e incertezas, ainda não afastados, a despeito do momento de reabertura ora vivido, que o sentido econômico do negócio simplesmente desapareceu. Esse é o caso do Brazilian Futsal Club (BFC), escolinha de futsal fundada pelos brasileiros Alvaro Almeida e Marcelo Zuge.

Brazilian Futsal Club (BFC) encerra operações devido ao COVID-19

O BFC originou-se de projeto voluntário para a prática de futsal na Edmonds Community School de Burnaby, frequentada, em sua maioria, por crianças refugiadas. Em abril de 2018, o programa regular de futsal do BFC teve início, no ginásio do Justice Institute of BC, em New Westminster. Em quase dois anos, o programa consolidou-se e vivia momento de crescimento, com 60 crianças matriculadas, divididas em dois dias de atividades por semana, e a iminência de mais alunos serem agregados em um terceiro dia. Um ponto alto da escolinha, durante esse período, foi viagem realizada ao Brasil em 2019, para a disputa de torneio de futsal em São Paulo.

Em 13 de março passado, houve o primeiro cancelamento de treino do BFC em decorrência da COVID-19, e desde então não foi mais possível retornar às atividades. Segundo Álvaro Almeida, o BFC era filiado à BC Soccer Association e estava seguindo todas as recomendações emitidas por essa associação.

Um primeiro aspecto que levou à decisão de fechamento definitivo do BFC foram as incertezas relativas à data de retomada das atividades, uma vez que os esportes indoor foram incluídos apenas na quarta fase do plano de reabertura de BC, cujo início ainda será determinado pelo governo provincial, a depender de uma conjunção de fatores.

Brazilian Futsal Club (Fonte: Facebook)

Mesmo que o entrave relativo à data para a retomada fosse transposto, as novas regras e protocolos sendo formulados para os esportes indoor “for profit” tornariam, na visão de Almeida, financeiramente impraticável o ensino do futsal. O número de crianças por turma haveria de ser reduzido. Ao mesmo tempo, os custos normais com aluguel de ginásio e seguro não diminuiriam, sendo-lhes ainda agregados outros, referentes aos protocolos de higienização.

O cumprimento desses protocolos, ademais, faria mais demorada a transição entre aulas, exigindo que o espaço estivesse por mais tempo à disposição do BFC, com a consequente elevação do preço do aluguel. Tampouco seria possível aos pais aguardar os seus filhos no recinto do ginásio. A conclusão foi de que o repasse dos novos encargos econômicos dobraria o preço do programa, afugentando os alunos. Resignado com a decisão inevitável, Almeida afirma orgulhar-se do que a escolinha produziu nestes dois anos. Uma bonita mensagem de agradecimento consta no site do BFC.

Lead Foods vê aumento de demanda durante a pandemia

Em outro extremo, o dos empreendimentos que lograram continuar operando normalmente durante a pandemia, aparece a Lead Foods, negócio de produção de carne seca brasileira iniciado há quase dois anos pelo casal Leonardo e Adriana Barbosa, radicado em Calgary (ainda que a base física da empresa esteja em Alberta, o produto é comercializado na Metro Vancouver, em cinco estabelecimentos). A Lead Foods beneficiou-se da circunstância de comercializar um produto alimentício – classe de produtos cuja demanda em geral se elevou no curso na pandemia –, vendido em lojas físicas (32 em todo o Canadá) e online.

Uma vantagem adicional, de acordo com Leonardo Barbosa, foi contarem com um grande estoque do produto (equivalente a quatro meses de vendas) quando as restrições da COVID-19 começaram a ser impostas. O preço pago pelos insumos para a produção desse estoque de carne seca não refletiu, portanto, o aumento do custo da carne observado com a pandemia, e a Lead Foods primou por não alterar o preço do produto que era colocado no mercado. Concomitantemente, a empresa aprimorou a divulgação do produto, através de mídias sociais.

Barbosa enfatiza que o público consumidor da carne seca é majoritariamente brasileiro, e a comunidade brasileira, durante a pandemia, teria reagido muito bem à intensificação da divulgação do produto conjugada com a não elevação do seu preço (quando o preço da carne aumentava em todo o país, reflexo da disseminação de focos de COVID-19 em frigoríficos). O proprietário da Lead Foods, apreciador da qualidade do charque que consumia desde a infância em Pernambuco, é enfático ao afirmar que a sua carne seca, embora produzida no Canadá, é autêntica, igual ou mesmo melhor que o produto brasileiro.

Atualmente estão trabalhando no desenvolvimento de quatro novos produtos (dois deles focados no público consumidor canadense) e, já detentores das necessárias licenças, em breve começarão a exportar para os EUA. A avaliação de Barbosa acerca das repercussões da COVID-19 sobre os negócios é de que, apesar dos desafios, a pandemia acabou por ajudar a sua empresa. Ele exalta o retorno demonstrado pela comunidade brasileira, à qual mostra-se muito agradecido.

Empresário aposta nas plataformas digitais e entregas em domicílio para manter vendas durante a crise

A pandemia é apontada como tendo acelerado mudanças em muitos pequenos negócios, os quais estariam mais bem posicionados para promover rapidamente adaptações em seus modelos do que negócios maiores. Essa premissa aplica-se ao empresário Paulo Lyra, que, após viver nos EUA, mudou-se para Vancouver decidido a empreender. Depois de abrir a creperia Craffles, no Lonsdale Quay Market, em North Vancouver, o brasileiro resolveu adquirir a loja âncora do referido mercado, a Sharky’s Chophouse, empório de carnes que, sob Lyra, voltou-se com força também ao serviço de refeições quentes, com um acentuado toque brasileiro (hoje o carro-chefe do estabelecimento).

Restaurante Craffles, em North Vancouver (Fonte: Facebook)

Iniciada a pandemia, o Lonsdale Market manteve-se aberto, mas com apenas quatro lojas em operação (entre elas o Craffles e o Sharky’s). Quanto ao Sharky’s, o empreendedor brasileiro teve de reformular a sua equipe (com drástica redução do número de funcionários) e logo aderiu às plataformas digitais de entrega de maior renome, movimento que, no entanto, não surtiu os efeitos desejados.

A fim de manter o fôlego do negócio, Lyra foi levado a centrar-se maciçamente na estratégia de entregas, tanto de carnes quanto, aos sábados, de pratos de feijoada e picanha. Carros mobilizados para as entregas chegaram a percorrer três mil quilômetros em um mês durante a pandemia; em apenas um sábado, foram feitas 150 entregas de feijoada e picanha. O Craffles igualmente se reinventou, com a confecção de kits para café da manhã e festas domiciliares.

Paulo Lyra avalia que o COVID-19 foi um catalisador para que o Sharky’s ingressasse de forma decisiva no campo das entregas, algo que até a pandemia não merecera a devida atenção. No momento, o restaurante encontra-se em negociações com uma companhia de entregas, com vistas a garantir excelência ao serviço. Se, globalmente, os ingressos dos empreendimentos de Lyra caíram com a pandemia, os seus custos também decresceram, ao mesmo tempo em que os negócios foram conduzidos a uma reinvenção.

O retorno da clientela brasileira também mereceu sincero elogio de Paulo Lyra – para quem a comunidade brasileira no Canadá afigura-se muito mais unida do que nos EUA. Tudo considerado, o juízo do proprietário do Sharky’s e do Craffels é de que a pandemia não foi tão ruim para os seus negócios.

Agência de intercâmbio e imigração acredita que o fluxo de estudantes brasileiros para o Canadá será retomado em 2021

A agência CanadaNew.net, do ramo de intercâmbio e imigração, foi outra microempresa de brasileiros que seguiu operando, no entanto, devido a circunstâncias peculiares ao seu campo de atuação, o fez com muitas dificuldades. A empresa foi fundada em 2015 por Marcelia Melo e seu esposo, Vinicius Melo, sendo cursos em “colleges” canadenses para alunos brasileiros o principal produto comercializado pela agência.

As restrições a viagens internacionais e a transição para o ensino online representaram um poderoso golpe, no curto prazo, sobre a viabilidade do negócio de Marcelia e Vinicius – e também sobre a importante fração da economia canadense que depende dos estudantes internacionais.

Dados do governo federal apontam que tais estudantes aportam anualmente CAD 22 bilhões à economia do país (de mensalidades e aluguéis a compras de supermercado) e ajudam a sustentar 170.000 empregos. Apenas BC, no ano de 2017, teria recebido 152.390 estudantes internacionais (entre ensino escolar e pós-secundário); desses, 5.810 seriam brasileiros, fazendo do Brasil o quinto país de origem de estudantes internacionais na província.  

Quando as restrições começaram a ser impostas, Marcelia Melo encontrava-se no Brasil acompanhada de representantes de “colleges”, em eventos de divulgação de oportunidades de estudo no Canadá. A CanadaNew.net percebia muito interesse por parte da clientela brasileira e, ao estalar a pandemia, tinha muitos estudantes por chegar ao Canadá. Melo teve de imediatamente retornar do Brasil e encontrou em Vancouver uma realidade que reduziu em mais de 90% as receitas da agência e forçou a demissão de dois dos três colaboradores e a renegociação do contrato de aluguel.

Mesmo tendo de buscar fontes alternativas de renda nestes difíceis meses, a empreendedora brasileira não perdeu o otimismo. Viu na repentina crise oportunidades e mudanças no mercado de educação internacional que, na sua ótica, seriam benéficas ao seu negócio, caso lograsse atravessar a pandemia.

Marcelia Melo refere que, conquanto sem contrapartida financeira imediata (já que os ganhos da agência são por comissão), o trabalho intensificou-se durante a pandemia, dadas as perspectivas para 2021, quando confia que o fluxo de estudantes brasileiros para o Canadá será retomado.

Face à atual escassez de novos alunos, em quadro que certamente se prolongará pelo restante de 2020, a afetar instituições de ensino pós-secundário antes acostumadas à abundância de demanda, Melo afirma que os contratos para a representação de “colleges”, principalmente com instituições que antes impunham excessivas condições, tornaram-se facilitados.

Do mesmo modo, rapidamente se disseminou o uso de plataformas online para os cursos de “pathway”, através dos quais os estudantes prospectivos se preparam – agora desde o Brasil e por preços menores – para demonstrar o nível de inglês exigido nos “colleges” de acolhimento. A proprietária da CanadaNew.net pontua ainda que a COVID-19 precipitou um aumento da cooperação entre agências e instituições de ensino, com a acessibilidade de salas virtuais para reuniões e uma maior abertura das instituições substituindo o método anterior de agendamento de viagens para encontros presenciais.

Demonstrando um otimismo e uma resiliência bem brasileiros – marca da parcela empreendedora da comunidade brasileira no Canadá –, Marcelia Melo enfatiza que “as perspectivas são as melhores possíveis para o ano que vem”.

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